18 de maio de 2024
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A confissão de Walter Delgatti Filho, um estelionatário de Araraquara, como executor da maior operação de violação de aplicativos de autoridades é daqueles plot twists tão surpreendentes quanto inacreditáveis. De acordo com o depoimento vazado à Globonews pela Polícia Federal minutos depois de realizado, embora o processo todo esteja sob sigilo, Delgatti relatou que começou a obter os telefones de autoridades a partir do acesso ao celular do promotor de Justiça Marcel Zanin Bombardi, que havia oferecido denúncia contra ele por tráfico de drogas. Por meio da agenda da conta do Telegram do promotor, Delgatti teve acesso à agenda de um procurador da República, que tinha o telefone de um deputado, cuja agenda continha o número de outro procurador, e assim por diante, até chegar a Deltan Dallagnol, os procuradores de Curitiba, e todo mundo que você possa imaginar. Foi uma espécie de six degrees of separation aplicado ao mundo do poder.

Tirando a fumaça, o que é relevante no depoimento, além da fragilidade dos celulares de centenas de autoridades:

– Disse que não alterou os diálogos obtidos e entregou os materiais brutos ao jornalista Glenn Greenwald;

– Negou ter recebido dinheiro pelo material;

– Revelou que a ex-candidata a vice-presidente Manuela d´Ávila, do PCdoB, foi a intermediária entre ele e o jornalista.

Sigilo da fonte

Como tudo no Brasil dos últimos cinco anos, a cobertura da confissão do hacker será discutida não em base dos fatos, mas das posições políticas de cada grupo. Este Report acredita possível que, simultaneamente, hackers sejam punidos pela lei e jornalistas tenham direito ao sigilo de fonte. A confirmação de que os diálogos divulgados pelo site The Intercept foram obtidos de forma criminosa não altera a veracidade das mensagens e os veemente indícios de que Sergio Moro julgou de modo parcial. E esta última conclusão não altera as provas de corrupção sistemática obtidas pela Lava Jato em negócios da Petrobras, Eletrobras, Copa de 2014, governo do Rio, etc., por ordem direta de políticos do PT, PMDB, PP, PSDB e etc.

Sorry. Ninguém nunca disse que viver no Brasil é simples.

O que essa confissão mexe no futuro imediato dos principais personagens:

Sergio Moro – O ministro da Justiça encolheu ainda mais. Como vítima original do pedido de inquérito na Polícia Federal que concluiu com a prisão de Delgatti, Moro deveria manter uma distância no mínimo protocolar das investigações.

No início, ele usou sua conta no Twitter para aplaudir a ação da PF e adiantou conclusões do inquérito, mesmo antes dos depoimentos dos presos. Depois, o ministro cometeu várias irregularidades. Moro usou o seu cargo de superior hierárquico da Polícia Federal para ter acesso aos nomes das pessoas que tiveram os seus aplicativos invadidos e telefonou para algumas das mais relevantes assegurando que o material seria destruído. Apenas o juiz responsável pode tomar essa decisão e Moro sabe disso.

Numa frase da jornalista Maria Cristina Fernandes “Moro agiu como político quando era juiz e agora é que político quer agir como juiz”.

O ministro ainda divulgou à mídia os nomes de vários dos vazados, incluindo ministros do Supremo e congressistas. Vários congressistas leram a informação como uma ameaça, a de que Moro tem agora acesso a informações privadas desses parlamentares e pode usá-las se lhe convier.

É notável a pluralidade das críticas públicas e privadas contra a intervenção de Sergio Moro na divulgação do inquérito por parte de ministros do Supremo, políticos e jornalistas. A blindagem que cercava Moro nos tempos da Lava Jato está definitivamente aos cacos.

Lava Jato – A prisão do hacker parece ter tirado o principal argumento do ministro e dos procuradores, a de que haveria alteração nas conversas. As indicações até a sexta-feira, 26, mostram que a confissão confirma que os diálogos de Moro, Deltan Dallagnol e os procuradores foram transcritos corretamente pelo The Intercept, Folha e Veja. Se é isso, a Lava Jato seguirá em compasso de espera e sem a possibilidade de montar grandes operações.

A série de reportagens sobre as palestras de Deltan Dallagnol desmoralizam qualquer futura ação do procurador.

The Intercept – Glenn Greenwald nunca falou da identidade da sua fonte, mas agora fica claro que sempre soube que não era vazamento interno da Procuradoria, como chegou a sugerir. Greenwald fez uso político da informação que dispunha.

Se o inquérito não demonstrar fraudes nos diálogos divulgados, o material seguirá sendo distribuído normalmente.

Esquerda – A citação à ex-candidata a vice Manuela D’Ávila no processo foi a melhor notícia para Jair Bolsonaro no mês. Mais uma vez, JB poderá usar sua militância digital para falar da ligação de políticos próximos ao PT com criminosos.

A nota explicativa de Manuela divulgada na sexta-feira à noite foi confusa, prolixa e incoerente.

Congresso – Os deputados não gostam de Sergio Moro. Alguns se sentem vítimas do ex-juiz nos tempos da Lava Jato. Outros o consideram arrogante no trato. Agora se sentem ameaçados pelos arquivos em posse da Polícia Federal. Haverá troco.

Mudança de tom

O clima de comemoração com a aprovação da reforma da previdência em primeiro turno que encerrou os trabalhos do primeiro semestre acabou. Os parlamentares voltaram com agonia, o que pode mudar o tom nas votações do segundo turno da reforma da Previdência na Câmara, o início do debate da reforma tributária, a análise da MP do FGTS, a instalação da CPI das Fake News, o desenrolar da CPI do BNDES e a discussão pelo Senado da indicação do deputado Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Foto: Getty Images

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