3 de maio de 2024
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No poema Der Zauberlehrling, Johann Wolfgang von Goethe conta a história de um velho feiticeiro que viaja e deixa a sua casa aos cuidados de um aprendiz. Preguiçoso e curioso nas mesmas medidas, o aprendiz usa magia para encantar as vassouras e fazer com que elas limpem sozinhas o laboratório. Dá tudo errado. As vassouras não param de buscar água e inundam o lugar. Desesperado, o aprendiz corta as vassouras. Ao invés de parar, elas se multiplicam. Finalmente, o feiticeiro volta a desfaz as magias. (Sim, você já assistiu essa história no filme Fantasia com Mickey como o aprendiz). Nessas duas semanas com o recesso do Supremo e Congresso, o presidente Jair Bolsonaro se comportou feito um aprendiz de feiticeiro.

Ele exaltou a ditadura; interveio no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); ameaçou fechar a Agência Nacional de Cinema (Ancine); chamou os governadores do Nordeste de “Paraíba”, um pejorativo típico do Rio de Janeiro; qualificou um general da reserva de “melancia”, verde por fora e vermelho por dentro porque o militar o criticou; insinuou que o jornalista Glenn Greenwald é um “malandro” por ter se casado com um brasileiro e sugeriu sua prisão. Na quinta-feira, dia 1, os velhos feiticeiros do Supremo Tribunal Federal retornaram ao trabalho e impuseram várias derrotas ao governo. Esta semana será a vez do Congresso voltar e igualmente demarcar o território até onde Bolsonaro pode ir.

Demarcação de terras indígenas

Por unanimidade, o STF decidiu manter com a Fundação Nacional do Índio (Funai) a atribuição para a demarcação de terras indígenas, conforme decisão do Congresso em maio. Essa foi a segunda derrota de Bolsonaro na Corte pelo mesmo tema. Pelo resultado, a sentença indica limites para as futuras medidas provisórias do governo que contrariem votações do Legislativo.

No seu voto escrito, o decano do STF, Celso de Mello, foi intencionalmente duro:

“O comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida provisória, clara e expressamente rejeitada pelo Congresso no curso da mesma sessão legislativa (mesmo ano), traduz iniludivelmente uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição e representa uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes. O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre direitos e garantias básicos do cidadão”.

Em ato de efeito midiático, o STF deu prazo ao presidente responder seus devaneios sobre o destino do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, preso e morto pela ditadura. O caso será arquivado futuramente, mas o pedido de resposta prolonga o desgaste.

Sergio Moro

Na mais importante da decisão da semana, o STF emparedou o ministro da Justiça, Sergio Moro, e proibiu a destruição das provas colhidas no inquérito que investiga a invasão de aplicativos de centenas de autoridades. Num ato voluntarioso, Moro havia telefonado a alguns dos haqueados para assegurar que o material seria destruído. Agora, o STF desconsidera o ministro e ainda traz para si a possibilidade de investigar as conversas de Moro e dos procuradores de Curitiba.

Ao impedir a destruição das mensagens encontradas com o hacker, o ministro Luiz Fux insinuou que o Supremo poderia tratar no futuro aquelas conversas privadas como provas legais. “A formação do convencimento do plenário desta corte quanto à licitude dos meios para obtenção desses elementos de prova exige a adequada valoração de seu conjunto”, disse Fux em seu voto.

Ou seja, em tese, o STF poderá usar as mensagens para investigar a própria conduta de Moro no episódio.

Embaixada em Washington

Nesta semana será a vez de o Congresso impor seu ritmo, fortalecido por um movimento infantil do próprio presidente ao indicar seu filho como embaixador em Washington. Eduardo Bolsonaro deve ser aprovado, mas o processo será lento e custoso. Pela primeira vez o Congresso tem um instrumento real de pressão contra o presidente e o seu incontrolável filho Carlos Bolsonaro.

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

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