19 de abril de 2024
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Em um filme do final dos oitenta, o personagem interpretado por Kevin Costner ouve uma voz que lhe ordena, “se você construir, ele virá”. Em sonho, o personagem descobre que se ele construir um campo de beisebol na sua plantação de milho o lendário Shoeless Joe Jackson voltaria para bater bola. O Brasil vive hoje um pouco de uma fé parecida. Se o Congresso aprovar a reforma da Previdência, os investimentos estrangeiros virão. No filme, lógico, o sonho se revela verdadeiro. Na realidade, o Brasil vai precisar mais do que apenas a reforma.

Desde dezembro há uma dissintonia entre os investidores brasileiros e estrangeiros. Os primeiros estão eufóricos, o que explica os seguidos recordes do Ibovespa. Os gringos estão cautelosos. Primeiro porque o cenário externo está muito pior em 2019 e os emergentes (México e Argentina à frente) deram perdas no ano passado. Segundo porque muitos perderam dinheiro em 2017 apostando na reforma que Michel Temer destruiu ao tentar saber se possíveis delatores estavam sendo subornados. Por fim, a capacidade do governo JB de ferir a si mesmo.

Na terça-feira, 22, soube-se que cinco frigoríficos de frango da JBS e da BRFoods foram descredenciados para exportação para Arábia Saudita. Oficialmente foi uma decisão corriqueira, não fosse a óbvia tensão gerada pelo governo Bolsonaro com sua fanfarra pró-Israel.  A Arábia é a maior importadora de frango brasileiro, comprando 12,1% das vendas externas.

O discurso anti-China de Bolsonaro no ano passado provocou uma queda de 75% nos investimentos no país. Mesmo depois da posse, o governo JB não tentou reacomodar suas relações com seu principal parceiro comercial. Uma decisão do governo chinês de comprar mais soja da Argentina ou ferro da Austrália colocaria em risco a balança comercial brasileira em questão de meses.

Bolsonaro reforçou sua imagem negativa em Davos

A atuação de JB em Davos apenas reforçou as imagens negativas formadas no imaginário internacional ao longo da campanha eleitoral.

Existe uma má vontade externa que só será superada se a proposta da reforma da previdência for realmente poderosa. As indicações da semana foram contraditórias. JB disse em entrevista à TV Record que a inclusão dos militares na reforma da previdência só ocorreria em um “segundo momento”, a mesma promessa feita pelos comandantes militares no governo Temer e que nunca ocorreu.

Em Davos, Paulo Guedes deu a entender que JB havia se confundido. Seriam duas propostas separadas (a dos militares não necessita ser emenda à Constituição).

Noutra atitude contraditória, a lista das 35 medidas para os 100 dias de governo lançada pela Casa Civil incluiu miudezas como a mudança no brasão das capas dos passaportes brasileiros, mas não o envio da proposta da reforma.

Em uma visão fria, JB não tem outra alternativa a não ser ceder mais poder para Paulo Guedes. Desgastado com o flagelo imposto pelo filho Flávio Bolsonaro, que lhe tirou a aura udenista, em querela com o vice Mourão, rompido com o establishment da mídia, o presidente precisa virar a página. Poderia ser a pauta de costumes da ministra Damares Alves ou a caça aos reitores de esquerda do ministro da Educação, mas elas falam apenas aos bolsonaristas de raiz, não reconciliam o presidente aos eleitores desconfiados pelo caso Queiroz. Fazer estardalhaço agora em torno das medidas anticorrupção do ministro Moro soaria hipócrita. Sobra apenas o liberalismo de Guedes. 

Foto: Divulgação do filme “O Campo dos Sonhos”

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