3 de maio de 2024
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O apresentador Luciano Huck estreou na corrida para 2022 na quarta-feira, 14, em palestras em Vitória. As frases foram ensaiadas para revelar uma persona moderada, acima da polarização política, defensor do livre mercado, mas com preocupação social, especialmente na educação. É o perfil do que este Report batizou de “Nem-Nem”, os eleitores que rejeitam tanto Bolsonaro, quanto o PT. As declarações de Huck:

“Com todo respeito a esse governo (Bolsonaro), eleito de forma democrática, mas não acredito que estamos vivendo o primeiro capítulo da renovação; para mim é o último capítulo do que não deu certo”.

“Educação tem que ser prioridade número 1 desse país. Não podemos falar de meritocracia no Brasil se as opções são tão diversas. Não precisa ter piscina olímpica em escola. Mas precisa ter professor, ensino de qualidade. A mobilidade social no Brasil é ridícula. É isso que a nossa geração tem que mudar. Nossa elite é muito passiva. Se não colocarmos a mão na massa, as coisas não vão se resolver por geração espontânea”.

“Pessoas passam fome neste País, e tem gente que ainda diz que não se passa fome no Brasil. Não está vendo? O Brasil tem 7 milhões de pessoas vivendo com dois reais por dia. É justo? Não é.”

“Lógico que a gente tem culpa. Fazemos parte do 1% que sempre foi acusado de não prestar atenção na desigualdade. Esse País vai implodir! São 37 milhões morando em favelas. Não dá para achar que é paisagem”, diz.

“É muito, mas muito mais fácil para mim ficar protegido nos muros do Projac, ganhando uma bela grana, fazendo o que eu gosto, vivendo no mundo do Instagram, onde todo mundo fica bonitinho, menos narigudo e mais magro. Mas estou aqui, trocando ideia com o ex- governador e com vocês, falando de um assunto muito mais complexo do que fazer televisão, que é o futuro do Brasil.”

“Tem ativos enormes na agenda da direita – sobre liberalismo, eficiência, tamanho necessário do Estado, equilíbrio de contas fiscais – mas se você̂ não tiver um olhar da esquerda, que é um olhar que tem o social como prioridade… por que você̂ não pode misturar as duas coisas? Por que as coisas são excludentes? Por que a gente tem que ter muro no meio das coisas?”

Reação do presidente

O movimento do apresentador foi rapidamente percebido por Bolsonaro. Na sua transmissão semanal via Facebook, o presidente ameaçou:

O pessoal que comprou jatinho aí, foram só R$ 2 bilhões. Então todo o pessoal que comprou jatinho, gente amigo do rei, gente que está dizendo por aí que estamos no último caminho para o fracasso do Brasil, que ‘eu sou a opção para 2022’. Pode até ser, mas a gente vai mostrar o que você fez, juros de 3%. Tá bom ou não? Isso é irresponsabilidade. Imagina, você que usou do seu nome e popularidade para isso… Ele vai dizer que não é ilegal…”

Na sexta-feira, 16, o capitão voltou à carga em entrevista na porta do Palácio do Alvorada:

“Ele falou que eu sou o último… como é que é… o último capítulo do caos. Se ele comprou jatinho, ele faz parte do caos. Então não vem um cara, se por ventura ele estiver lá (nas eleições de 2022), não fica não arrotando honestidade, aí que o bicho vai pegar”.

O presidente se refere ao financiamento de R$ 17,7 milhões da Brisair Serviços Técnicos Aeronáuticos – empresa de Huck e de sua mulher, Angélica Ksyvickis – através do Programa de Sustentação do Investimento do BNDES para comprar um jatinho Embraer Phenom 300. A empresa obteve o empréstimo em 2013 com taxas de juros entre 3% e 3,5% ao ano e 120 meses para quitação. O programa do BNDES foi criado pelo governo Dilma para subsidiar o crédito na compra de máquinas e equipamentos produzidos no Brasil, dentro da lógica da época da Nova Matriz Econômica. Não há ilegalidade no empréstimo, mas não é disso que Bolsonaro e sua guerrilha digital estão tratando. Huck virou alvo.

Rejeição à Velha Política

Na política há um axioma de que o cavalo encilhado só passa uma vez. Vários políticos se achavam predestinados à Presidência e perderam o timing, de Ulysses Guimarães a Leonel Brizola, de José Serra à Marina Silva. Em 2018, o zeitgeist brasileiro era por alguém que representasse uma rejeição à Velha Política. Poderia ter sido Luciano Huck, Joaquim Barbosa ou Sergio Moro, mas nenhum se dispôs a concorrer e o sentimento do contra-tudo-que-está-aí terminou desaguando em Jair Bolsonaro. A questão é: este sentimento continuará vivo e expressivo em 2022?

Vantagens de Luciano Huck

O Huck de 2019 tem algumas vantagens sobre o de 2018. A primeira delas é a desilusão de muitos eleitores de Bolsonaro, seja pela agenda autoritária, seja por considerar que deva existir um mundo sem a opção JB e PT. Conhecido no país todo pela TV, com imagem de bom moço, Huck tem três anos para construir uma persona mais presidencial, um dos grandes defeitos de Bolsonaro. Ele começou bem ao se aliar ao ex-governador Paulo Hartung, o ex-presidente do BC Armínio Fraga, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente FHC.

Na quinta-feira, 15, em São Paulo, Fernando Henrique antecipou ao Valor o que pode ser a tática de Huck, se firmar como contraponto a Bolsonaro, mas não se juntar ao bloco de oposição liderado pelo PT:

“Não pode jogar em bloco, porque é pior, dá força a quem você̂ não quer dar. Tem que ter alternativa, tem que ter candidato. Na última eleição eu já́ dizia: tem que unir o centro. Não unimos. É uma questão em aberto. Continua, de novo, o mesmo problema”.

FHC anteviu dificuldades para se derrotar Bolsonaro em 2022:

“quando um líder fala para o homem comum e tem o apoio do homem comum é complicado”.

Mas o apresentador tem enormes obstáculos à frente. O primeiro é o próprio Bolsonaro. Ao presidente interessa uma disputa polarizada com o PT e ele tem agido todos os dias para esticar essa corda. O capitão vai usar sua máquina digital para destroçar a candidatura Huck no nascedouro, e o caso do empréstimo do BNDES é só o primeiro capítulo.

Relação com a TV Globo

Com programa na TV Globo e dúzias de contratos publicitários, Huck tem um espaço de ação limitado, tanto para se defender de Bolsonaro, quanto para expor alguma ideia com profundidade. Seu possível partido, o Cidadania, é uma legenda de 8 deputados, 3 senadores e nenhuma marca. Temas caros na plataforma de Huck – investimento em educação, maior participação dos jovens na política, liberalismo na economia e nos costumes – são só slogans se não houver trabalho de dia-a-dia.

Além do mais, o espaço do Nem-Nem será conturbado. O governador João Doria, do PSDB, já é candidato e tem uma estrutura montada. João Amoêdo, do Novo, teve ótima performance em 2018, embora pagará um preço absurdo por não ter expulso o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Last, but not least, há a TV Globo. A imagem do apresentador é indissociável da TV, para o bem e para o mal. Foi nítida a pressão da emissora para que Huck não saísse candidato em 2018 e não está claro até que ponto o grupo se sentirá confortável em se tornar um dos polos eleitorais contra um Bolsonaro raivoso e rancoroso.

Foto: Divulgação/GShow

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