23 de abril de 2024
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Preso há um ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantêm a capacidade de análise, o discurso coerente e o poder de sedução. As duas entrevistas divulgadas até o momento (uma terceira para o site The Intercept irá ao ar nos próximos dias) servem corretamente ao propósito do ex-presidente de transformar a sua condenação em uma disputa política.

Sob ponto de vista do seu papel na história e na sua defesa jurídica, as entrevistas de Lula à Folha/El País e à BBC são perfeitas. Estão lá a defesa de seus dois governos e as contradições da Operação Lava Jato, explicitadas depois de o juiz Sergio Moro assumir um ministério bolsonarista. Mas Lula faz uma defesa tão enfática de Lula que aprisiona o futuro do seu partido dentro da cela da Polícia Federal em Curitiba.

Partidos não fazem autocríticas (alguém aí viu o PSDB fazendo mea-culpa pelo desastre de se tornar um partido mediano?), mas ao escantear as perguntas sobre a corrupção petista e o desastre econômico da gestão Dilma Rousseff, Lula impede o PT de ir em frente. O ex-presidente claramente não entendeu a força do antipetismo (chega a dizer que teria vencido a eleição de 2018 no primeiro turno porque tem “uma relação com a sociedade que é muito mais uma relação da sociedade comigo do que do Lula para ela”) e prefere não enxergar o efeito da recessão na vida das mesmas pessoas que tiveram avanços sociais nos primeiros dez anos de governo do PT.

Ao repórter Kennedy Alencar, da BBC, Lula afirma que “todos os juristas” asseguravam que ele teria direito a ser candidato a presidente em 2018 mesmo depois da condenação em segunda instância, o que demonstra apenas que ele estava ouvindo bajuladores, não advogados sérios. Por fim, Lula mantem a linha mestra do PT de que só ele pode liderar a esquerda. Na chamada da entrevista ao The Intercept, Glenn Greenwald pergunta a Lula se Ciro Gomes não teria tido mais chances de vencer a última eleição. Ao que Lula, irônico, responde: “você acredita nisso?”.

É compreensível a dificuldade de o PT prosseguir sem esquecer que seu maior líder está na cadeia. Mas o partido hoje é um fantasma do que já foi. Em quase cinco meses de governo JB, o PT não produziu uma alternativa à sociedade, e não foi por falta de oportunidade. O impeachment, a prisão de Lula e a derrota de 2018, embruteceram o partido. Lula, o político que da prisão deu a um candidato desconhecido 31 milhões de votos no primeiro turno aprisiona o futuro do partido.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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